Alguma outra mulher além de mim,
diante de alguma patacoada do marido, já se perguntou um dia se só as lésbicas
são felizes, por serem casadas com outras mulheres? Pois bem, a leitora Cecília Amarante, de 34
anos, dentista, é capaz de esclarecer a minha dúvida. Ela já foi casada quatro
vezes: duas vezes com homens e duas com mulheres. Foi só saber disso, claro,
para pedir post. Vamos ouvi-la então? Poucas pessoas que eu conheço têm mais o
que dizer em matéria de casamento do que ela.
Obrigada, Cecília! Mesmo. Amei o
texto. Parabéns pela coragem, torço por você, be happy.
Beijos, beijos, para a nossa
autora de hoje e para vocês todos,
Isabela – A Casada e A Curiosa
Eu tinha 18 anos quando aproveitei um raro dia de
camaradagem entre eu e minha mãe para lhe contar uma coisa que me era muito
importante naquele momento dividir:
- Mãe, eu vou morar
com a Alice.
- Vai morar com sua amiga, então?
- Mãe, ela não é minha amiga, é minha namorada.
Ela ficou em choque, chorou uma semana e por uns três meses
não falou comigo. Não a culpo, eu simplesmente deveria ter contido o meu i
mpulso
“sincericida”. O fato
é que, àquela época, perdidamente apaixonada que estava pela minha então patroa
– alguns bons anos mais velha –, eu estava obviamente cega e tinha certeza de
que era lésbica.
A relação durou quase quatro anos, o suficiente para viver
várias fases: paixão, vida em comum, crises, relações familiares, e ciúmes,
muitos ciúmes. Ela me deu um carro e, na primeira noite, fez questão de ir me
acompanhando para saber quanto tempo eu gastaria entre nossa casa e a
faculdade. Se eu me atrasasse um pouco, o mundo caía.
Com o tempo eu fui percebendo que a relação era como uma
bolha. Toda nossa vida em comum era uma repetição de programas, companhias e
padrões. Não havia espaço para
improvisações, nem para espontaneidade. Eu tinha 21 anos e fui com os amigos da
faculdade para um seminário numa outra cidade. Participei das palestras, mas
nas horas vagas, eu me dediquei a matar as saudades de estar com um homem. Atolada em culpa, contei tudo a ela na volta,
declarando-me bissexual (o pesadelo das lésbicas).
Fui mirim, eu sei. Ela quebrou o apartamento todo, enquanto
eu quase podia garantir que se houvesse trilha sonora, seria a Elis Regina
cantando Atrás da Porta. Peguei
minhas (poucas) coisas e fui para um apartamento, morar sozinha. Lembro-me bem,
era uma quinta-feira. Na sexta, uma amiga me ligou convocando-me a estar num
jantar com outros amigos, alegando que eu precisava de companhia neste momento.
Foi uma noite deliciosa entre amigos queridos até hoje. Também especial por causa de um par de meias
alaranjado usada por um homem heterossexual (HT). Achei aquele tipo HT com alma
gay muito interessante, tanto que dei para ele naquela mesma noite, e fiquei
casada (com ele) por quase cinco anos.
Foi uma relação muito didática. Com ele, aprendi o quanto é
delicioso cozinhar para os amigos em casa, escapar para uma cachoeira no final
de semana, ligar para os amigos para saber se estão bem. Mas ele é um tipo mal
humorado e com o tempo foi se fechando de tal forma, que não era possível para
mim acessá-lo mais, sequer ajudá-lo. Então, fomos nos distanciando um do outro,
até que a separação ocorreu.
Voltei para casa da minha mãe, e tive que ouvi dela que não
sei “segurar homem“. Não a culpo. Ela é de uma geração que foi criada para casar-se
para sempre.
Mudei de emprego e de cidade, e durante muito tempo só
namorei, ou fiquei mesmo sozinha. Até que conheci o Artur. Mesmo padrão: HT sem
preconceitos, sem frescuras – alma 60% gay. É talvez um dos homens mais feios
que já vi, mas fiquei fascinada pelo mundo dele, e na sua forma muito
particular ele era um ugly sexy. Era
para ser só um namoro, mas fomos morar juntos quando fiz uma cirurgia delicada
e acabamos nos casando de papel passado, com direito à mudança de nome da minha
parte. De novo, eu estava cega de paixão.
Até o casamento foram quatro anos, e depois, menos de um
ano. Sim, me separei menos de um ano depois de ter me casado no papel, e
transei com ele no dia em que assinamos nossa separação diante da juíza. A
crise toda começou porque ele não aguentou a barra de me dividir. Explico-me:
um dia ele me disse que eu poderia ter quem eu quisesse, desde que (1) não
levasse esta pessoa para nossa casa, (2) não andasse com esta pessoa nos lugares
que frequentássemos e (3) que eu não me apaixonasse.
Olhando por perspectiva, os dois primeiros itens são fáceis,
mas o terceiro é uma incógnita, de tão imprevisível quanto imponderável. Ele
não suportou meu encantamento por uma jovem estudante de medicina, que conheci
numa boate gay na minha cidade natal.
Depois de mais este casamento que deu certo, mas que durou
tão pouco, eu resolvi que não dividiria mais minha vida com ninguém. Até que
conheci a Duda. Tive um estalo, e na hora pensei “eu quero esta mulher para mim”. Na tarde do dia em que a conheci,
escrevi no MSN para um amigo que eu havia conhecido a minha futura esposa.
Tem uma piada que ilustra bem o que aconteceu entre nós:
- Sabe o quê uma sapa leva no
segundo encontro?
- Não, o quê?
- A Granero (a mudança, as
chaves).
- Sabe o quê um gay leva no
segundo encontro?
- Que segundo encontro?
Em menos de um mês depois que nos beijamos pela primeira
vez, ela estava morando na minha casa. Fiz por ela o que a Alice tinha feito
por mim, ou seja, cuidando mais financeiramente do que afetivamente. Assim, da
mesma forma alucinante que nasceu, a relação morreu, um ano depois, sufocada
por cobranças, ciúmes e paranoias. Dei um basta e o que se seguiu lembrou-me
novamente a Elis Regina.
Foram então quatro casamentos, sendo um apenas com papel
passado, dois com homens, dois com mulheres, e não posso dizer que os melhores
foram estes ou aqueles. Em todos, a união só ocorreu porque eu estava
apaixonada e queria muito viver a experiência de estar na companhia daquela
pessoa. De minha parte, posso afiançar que nunca me importei com pequenas
coisas, tampouco com a dor da separação, donde nunca me faltou vontade de pular
de cabeça em todas minhas paixões.
No entanto, hoje, pensando de forma um tanto mais racional,
quero viver um dia de cada vez quando conhecer um novo amor. Sem pressa, sem
atropelar fases, ir sentindo a relação amadurecer serenamente.
Se será com um homem, ou com uma mulher, só depois poderei
lhes contar. Para mim, o que importa é sentir as borboletas batendo asas na
barriga e a vontade de engolir aquela pessoa inteira, impressionada com o que
quer que seja que venha dela.
Não me importo com grana ou posição social: quero é me
apaixonar de novo. Arrependimento só o de ter saído
do armário para minha mãe. Eu poderia tê-la poupado disto tudo.
Cecília Amarante