quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
Minha avó agora é velha
Pessoal, compartilho aqui um texto que escrevi já faz uns três anos, mas que gosto muito. É sobre meu reencontro com a minha avó materna. Espero que gostem.
Quando nasci, minha avó já era velha. Eu com zero ano e ela com seus cinquenta e poucos. Ainda lembro que, lá pelos meus seis, sete anos, reparava em suas mãos manchadas no fogão, nos cabelos grisalhos e nas rugas do rosto e da boca. Ela já era meio gordinha também.
Puro engano de um olhar infantil. Passados cerca de 30 anos, agora sim a descobri realmente velha. E foi assustador, me provocando tristeza (um pouco de raiva também), pena e profundos questionamentos sobre o sentido da vida. Havia talvez uns dois anos que não a via. Já quase aos 80 e teimosa que só decidiu se mudar para outro estado, Rio Grande do Norte, longe de seus
familiares em São Paulo. Construiu casa idêntica por aquelas terras (geminada, com um quarto em cada extremidade e cozinha e sala conjugadas). É possível andar no escuro em qualquer uma de suas casas. Todas iguais e com os mesmos móveis de décadas.
Após as aventuras por aquelas bandas e eternamente insatisfeita, outra mudança. Desta vez, Bahia. Tudo na companhia do anjo do meu avozinho, pobre coitado. Até que, como diz minha mãe, a "porca torceu o rabo", ou seja, tiveram mesmo que pedir ajuda. Doentes e sozinhos, apelaram para as duas filhas, que prontamente foram buscá-los e os alojaram nas proximidades. Neste dia, ao chegar em casa, levei o susto. Ela não era mais a avó que, apesar das rugas e manchas, fazia comida para os netos, ia ao supermercado, limpava a casa e costurava. Agora seu olhar estava longe, o corpo esquálido e murcho, sem curvas nem mesmo na barriga. Os cabelos já haviam passado do branco para o amarelo, cor de sujo. O cheiro era ruim, o hálito também. Lembrei de Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Maques – no final da história, quando os protagonistas finalmente se reencontram, sentem o cheiro da velhice.
Pode parecer duro, mas quando ficamos muito velhos cheiramos a coisa degradada, a alguma coisa descascando. A pele não tem mais brilho, é seca e ruim de tocar. Os cabelos se endurecem e o olhar afasta em vez de atrair. O corpo se arrasta. Minha avó tem dificuldade para sentar, para levantar, para subir escadas. Não faz mais nada em casa. Suas manias ficaram piores e agora faz até travessuras de criança. Precisa de ajuda para ir ao banheiro e tomar banho. Não sabe muito bem que dia está, mas vê na televisão que o presidente é o Lula e morre de raiva.
Tudo isso me fez constatar que a vida toda estive errada sobre ela ser velha. Além desta descoberta, fiz uma outra, o mundo só se importa e presta atenção ao que é novo e radiante. Observo minha sobrinha de três anos em meio aos parentes na sala. Qualquer gesto dela enche os outros de curiosidade.
Portanto, somos isso, corpos em constante decomposição e facilmente substituíveis. Já que todos apodreceremos, para que brigar tanto? O melhor caminho é amar as pessoas como se não houvesse amanhã, parafraseando Renato Russo – aquele cantor da época em que eu ainda nem pensava nestas coisas...
Patrícia - A Solteira
23 comentários:
Nossa, que forte, me emocionei muito ao te ler...
2 de fevereiro de 2011 às 00:04Verdade nua e crua. Muito bem escrito, mas também muito triste.
2 de fevereiro de 2011 às 00:42Mais um excelente post ;)
2 de fevereiro de 2011 às 03:47Mas me deu um aperto no coração. Preciso elaborar melhor esse lance da velhice. Não apenas a minha, mas também a dos meus pais (pensar em velhice me leva a pensar em perda). A inevitável degradação do corpo é triste, mas o que me apavora é incapacidade física e mental. Merece parabéns quem lida bem (de verdade) com o processo de envelhecimento.
Por isso eu não quero passar dos 50.
2 de fevereiro de 2011 às 08:14Eu chorei...
2 de fevereiro de 2011 às 08:15Aii...
2 de fevereiro de 2011 às 08:23Confesso q eu sempre tive medo de envelhecer...
Mas, se eu envelhecer, eu quero ser igual a minha avó. Hoje ela tem quase 74 e nunca deu trabalho, rs...
=)
.Olívia.
Texto forte, que mexe com a gente, mas é isso aí, serve para gente não se apegar em bobeiras e curtir a vida plenamente, pois ela é tão efêmera...
2 de fevereiro de 2011 às 08:26Ai, Patricia, vou discordar de você. Minha avó tem 87 anos. Uma pessoa linda, com um pele invejável, cabelo branquinho que parece algodão. Sabe aqueles conselhos de vó? pois é, ela "quase sempre" está certa. Amo muito minha vó e se um dia chegar aos 80 e pouco, quero muito ser como ela. Ela não sai de casa sem um perfume e uma bijouteria combinando com a roupa. A coisa mais fofa!Ela é nossa memória viva, lembra de fatos que nos marcaram qdo crianças, adolescentes! Curte demais seus 8 netos e 4 bisnetos.Acredito muito que como minha avó, deve existir outras por aí. Precisamos aprender com elas, sempre.
2 de fevereiro de 2011 às 08:55Sabe eu sempre fiquei admirada com os velhinhos...
2 de fevereiro de 2011 às 09:38um dia antes da minha avó paterna morres na época com quase 83 anos, lá por 2003, quando eu tinha meus 12 anos, ela conversou muito comigo, falou sobre uma irmã dela que depois de casada sumiu e que ela nunca mais a viu, essas coisas...
E eu adora conversar com a minha avó.
Meu nome é Silvia pq meu avô paterno era Silvio, o que é uma honra para mim!
Hoje os dois já se foram...
Enfim, gosto dos velhinhos pq apesar de ás vezes serem rabujentos e cheios de manias, me passam muita experiência e coisas boas!
Por isso tem que viver sem se preocupar muito com isso, senão vc esquece de viver e quando vê a vida já passou...
Beijos
O problema, Diguê, é que muitos de nós não pensamos que um dia poderemos chegar à velhice. Alguns nem acreditamos nisso, pela vida louca que levamos. E, se envelhecermos, muito provavelmente teremos as mesmas necessidades dos velhos que vemos hoje.
2 de fevereiro de 2011 às 09:48O que quero dizer é isto: é preciso ter compreensão e transmiti-la a nossos filhos, com atitudes e exemplos de companheirismo com quem já cuidou a gente. Ainda mais porque, um dia, poderá ser a nossa vez.
O mundo gira.
Patrícia,
2 de fevereiro de 2011 às 12:19Desculpa. Eu não li até o final. Chorei antes, porque os meus avós partiram não faz muito tempo. E eu ainda sinto o cheirinho deles e raiva das ciscunstância da vida que não me deixaram curti-los até onde pudesse.
Beijos,
Cinthya
Esse culto extremo ao jovem em detrimento do velho me incomoda muito também, Pat.
2 de fevereiro de 2011 às 13:13Agora, em relação a envelhecer, tenho outras referências. Perdi minha avó materna muito pequenina, infelizmente, mas a paterna, Vovó Maria, viveu até os 90. E bem. Ficou pouco tempo caduca. Até o fim, foi uma mulher altiva e vaidosa, com os cabelos (grandes, veja bem, brancos porém compridos) presos em coque, sempre de vestido e usando perfume de alfazema (gosto muito do cheiro, em parte por causa dela).
Espero envelhecer assim tb, com glamour, hahaha!!! Depende de como a gente se prepara para isso, não?
Beijos,
Bela - A Divorciada
Pati, sua danadinha!!!!!!!!! Quer me fazer chorar aqui, né????? Kkkkkkkkkkkkkkkkk! Simplesmente AMEI o texto! Muito bem escrito e ele faz com que a gente reflita muito sobre a vida! Parabéns, querida! Vc me emocionou mto! Ah meninas, vlw por me seguirem! E se der, passem lá! AMO VCS! Bjão Ra!
2 de fevereiro de 2011 às 13:25Nossa...
2 de fevereiro de 2011 às 18:31lindo e verdadeiro... como poucas coisas são!!!
=~~
Nossa cultura deteriora os velhos... Indios tem um profundo respeito pelos seus anciões. São os portadores das histórias que contam as origens das estrelas e da água. A grande maioria doa pajés são anciões também. A idade deteriorou a matéria, mas ensinou o dom da cura do espírito. Quero ser velho. Estou feliz por estar envelhecendo. Tenho 27 anos. Estou mais maduro. E sei que com 67 vou ter visto, ouvido e vivido muita coisa. E sempre haverá um jovem pra se sentar num noite de sereno, sem se importar com os mosquitos, pra escutar sobre as pessoas que amei e as vozes que ouvi.
2 de fevereiro de 2011 às 18:52Bjo, colega! RH da 3.
Oi Pati solteira amada
2 de fevereiro de 2011 às 22:27Mas mesmo assim com cabelo amarelinho eles continuam tão maravilhosos. Meu vô também ficou assim, sem poder tomar banho sozinho, quieto, mas como ele faz falta! Em todos os momentos. Mesmo com a ranzinzisse.
Beijo
Kézia
Puxa, tem um ano que minha avó morreu, o que me fez ficar muito emocionada com o texto! Temos que lembrar que este é o amanhã, só nos cabe viver o hoje, da melhor forma possível.
2 de fevereiro de 2011 às 22:30Bjos
Eu acho velhinhos e velhinhas potes de ouro, cheios de sabedoria. Cheios de coisas ricas a nos oferecer.
2 de fevereiro de 2011 às 23:09Eu não tenho medo de envelhecer, é tão ciclico, querendo ou não, chega. E, quanto mais vivemos, mais podemos compartilhar. Só não queria depender dos outros, quero ser como a minha avó, morreu de surpresa, mas, lúcida, e a última vez que nos vimos, ela estava sorrindo, com um rosto sereno.
Beijo
Oi Patrícia,
3 de fevereiro de 2011 às 08:52Triste né? Dê amor pra ela sempre que puder, mesmo em meio à decomposição da renovação que é a velhice!
beijocas,
mari
Engraçado como um parente tão próximo às vezes nos é tão distante. Não convivi com meus avós paternos e meu avô materno arrumou outra família qdo eu ainda era nova o bastante p/ acreditar que ele "estava viajando" Hahahahahaha!
4 de fevereiro de 2011 às 15:28Bem, o fato é que minha avó sofreu muito com isso, mas não se entregou. Nunca a vi chorando, ou resmungando, ou se lamentando. Sempre foi muito resignada. Também nunca a vi decadente. Sempre vaidosa, mais do que eu!! Mandava eu usar vestidos, que calça jeans era roupa de homem!!!
Cabelos sempre cortados e bem pintados, e velho e bom "cheirinho de alfazema".
Sempre falava que queria morrer sem dar trabalho a ninguém e Deus atendeu esse pedido dela. Um dia começou e ter dores de cabeça (pressão) e no outro Papai do Céu a chamou.
Fiquei com um vazio no peito, uma falta... Um arrependimento de não ter passado esse último dia ao lado dela, de não ter conversado mais, curtido mais... Mas a gente não adivinha qdo vai ser o tal dia.
Por isso, digo a quem ainda tiver seus avós, ou pais velhinhos: CURTAM!!! Aproveitem muito! Porque nunca se sabe até qdo esses anjos vão estar na nossa vida distribuindo sabedoria! ;)
AH! Não assinei! Huahuahuahauha!
4 de fevereiro de 2011 às 15:28BJOS!
BOB Nana!!!!
Gostei, profundo, segurei uma lágrima.
5 de fevereiro de 2011 às 12:54Não conheci minha avó materna, ela faleceu quando minha mãe ainda era criança. Mas conheci minha avó materna de criação, uma mulher maravilhosa que adotou minha mãe e posso dizer também, "minha vó estar velha".
Minha vó paterna, a perdi em menos de um ano. Reclamava de tudo. Mas eu só sabia rir e conversar com ela, que nada mudou desde quando ficou velha.
Enfim, acho que é relativo, nem todos envelhecem da mesma forma. Meus avôs, por exemplo, você não diz a idade que têm.
bjos
Evelin
oi,
7 de fevereiro de 2011 às 11:40entrei aqui pelo Ktralhas!
Adorei o post. Triste essa realidade de envelhecer desse jeito..... morro de medo de ficar assim, dar trabalho, so resmungando, tal. Ainda bem que no mundo existem velhinhos fofos tambem!
bjOs a todas! ainda tenho muito pra ler por aqui!
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