quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Obrigada, doutor

Quando me separei, a minha maior preocupação foi cuidar de mim mesma. Mais exatamente do meu humor e da minha aparência, nessa ordem. Não queria, em hipótese alguma, ser vista com cara de choro, chata, reclamona, feia e de mal com a vida por aí. Por isso mesmo, me esforcei para ser mais cortês e educada com os outros do que nunca. E me surpreendi com o poder da simpatia. Sabe aquela história de que gentileza gera gentileza? Taí um clichezão verdadeiro.

Em toda a minha vida, nunca fui tão bem tratada por desconhecidos na rua, nas situações mais improváveis. Nunca tantos taxistas se despediram de mim com "vai com Deus", "Deus te abençoe", "se todos os meus passageiros fossem como a senhora, eu não seria tão estressado".

Mas, entre todas as manifestações espontâneas de carinho recebidas no meu primeiro mês de separada, a minha predileta veio de um médico que trabalha num dos postos do INSS no bairro em que moro, em São Paulo. No manhã seguinte à única e definitiva conversa que tive com meu ex sobre o divórcio, precisei ir ao instituto para uma perícia. Por conta de um problema de coluna que tive no início do ano, ao cair na rua, estava afastada do trabalho há três meses. E, segundo o meu ortopedista, precisaria ainda de mais de um mês de repouso. Como ninguém merece ir ao INSS no day after de uma separação, respirei fundo, tirei do armário um vestido confortável de que gosto muito e pensei: vai lá e resolve logo isso.

Ao entrar no consultório do perito, cumprimentei aquele cinquentão (pelo menos parecia ser)magro, meio moreno e meio grisalho, com o melhor bom dia que eu poderia ter dado para alguém naquela manhã. Ele nem olhou para a minha cara. E, seco, disse apenas: "RG, radiografia e atestado do médico". Coloquei os documentos em cima da mesa. "Mas minha filha, o que foi isso, que coisa terrível, como você quebrou uma vértebra? O que aconteceu?" Espantada com a reação, expliquei que caí na calçada, bem numa quina. Daí o prejuízo. "Mas você precisa se cuidar, isso ainda vai lhe incomodar muito, doer durante um bom tempo, principalmente quando fizer frio". Disse que sabia daquilo tudo. Mas que queria pedir para ele encurtar a renovação da licença pedida pelo meu ortopedista. Estava separada há um dia e não queria ficar um mês mais sem trabalhar. "Mas minha filha, você não pode ficar nessa melancolia. Um amor a gente cura é com outro. E quem tem que gostar de você é você mesma. Eu só vou te dar menos tempo de repouso porque você está me pedindo".

Faltou pouco para eu me despedir daquele homem com um abraço. Mas, tudo bem, o meu rosto deve ter falado por mim naquela hora. Uma prova de que as pessoas fofas estão em todo o lugar, escondidas sob diferentes carapuças. Obrigada, doutor. E, a propósito, eu estou ótima.

A Divorciada

3 comentários:

Vera Helena disse...
Este comentário foi removido pelo autor. 23 de outubro de 2008 às 15:48
Vera Helena disse...

Olá às três. Parabéns pelo blog, estou me divertindo mto. Já está entre meus favoritos. O mais engraçado é que me identifico com as três (solteira, casada e divorciada!)Ah, divorciada, adorei seus textos.

Beijos,

Vera

23 de outubro de 2008 às 15:49
Marcella disse...

Querida Divorciada,

parabéns pelo blog (a vocês também, Solteira e Casada). O texto é delicioso. Você me inspirou a fazer um teste. A partir de amanhã (hoje já terminou), vou passar uma semana com um sorriso de ponta. Depois te conto o resultado.

Um beijo enorme,
Marcella

25 de outubro de 2008 às 23:54