sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
Lembranças que nos fazem ser
Como as sinapses são rápidas. Acho que trabalham de forma aleatória, porém sempre acessam os arquivos certeiros. Foi o que acabou de acontecer comigo depois de ler o post da nossa leitora Paula; este que está aí embaixo sobre a Chiquinha Gonzaga. E meus neurônios varreram o porão da memória só por causa de uma única palavra. A que diz que a Paula é baiana.
Paula = baiana = Bahia = infância
Pronto! Acabo de ligar a chave do trem-bala rumo às memórias incríveis. Muitos sentirão inveja, mas tive o privilégio de morar por dois anos numa vila militar perto de Salvador, dos cinco aos sete anos de idade. Detalhe: a vila era um condomínio fechado e a casa dos meus pais era de frente para a praia. Isso mesmo. Era só atravessar a rua para ter areia debaixo dos pés. Como na Bahia a única estação do ano é o verão, vocês já podem imaginar o que eu fazia no período entre a escola e a hora de dormir. Vivia sempre na praia. Nesses dois anos, a minha cor mudou para jambo-eterno. Eu adorava.
Era começo dos anos 80, Michael Jackson era rei com seu “thriller” and “just beat it”, a Blitz era um fenômeno nacional com a Márcia Bulcão e Fernanda Abreu nos backing vocals, o disco do Balão Mágico não saía da vitrola (disse vi-tro-la), e o Raul Seixas fez o especial Pluct, Plact, Zum entrar para a história. Ahá! Quem tem mais de 30 sentiu os neurônios fervilharem também?
Deixei a Bahia no começo de 1984 e nunca mais voltei. Tenho a sensação de que vou me debulhar em lágrimas quando pisar lá novamente. Tenho os dois anos inteiros na minha cabeça, e nos mínimos detalhes.
Lembro do primeiro passeio na rua em frente a nossa casa. No asfalto, havia um tapete de cigarras. Eu teimava em pular uma a uma com minhas Melissas, mas era inútil. Eram milhares. Se alguém souber como se chama este fenômeno, me falem. Jamais presenciei algo assim desde então.
As caminhadas noturnas eram costumeiras. Pai, mãe, irmão e eu. Até amizade com um caranguejo fizemos. Demos a ele o nome de João. Hoje, imagino que não deve ter sido o mesmo sempre. Quanto tempo será que vive um caranguejo? Duvido que sejam dois anos...Enfim, João sempre estava lá, andando de lado pelo meio-fio da calçada.
Aprendi a boiar na água lá na Bahia. Tem até uma foto. Nossa! É a síntese do relax. Toda a vez que visito minha mãe, eu esqueço de tirar a tal foto do álbum. Ela merece um lugar de destaque na cabeceira ou na mesa de trabalho. Quando o estresse ou tristeza pintar, é só olhar para aquele instante que as coisas ficarão melhores.
A vila tinha tudo que uma criança mais quer na vida: meninos e meninas da mesma idade, árvores, ruas largas para andar de bicicleta, turma, desafetos, tombos, brigas, pazes, queimadura de água-viva, pique-pega, pique-esconde, ladeira para descer de bicicleta a mil por hora e até casa mal-assombrada.
Lá, comi o melhor peixe frito do mundo e o melhor acarajé do mundo. Descobri que a sala de visitas, que ficava trancada “porque é só para as visitas”, podia ser invadida. E, sim, acontece de cair Nescau no sofá branco, dar a maior merda e ficar de castigo. Aprendi uma penca de palavrões no ônibus escolar, durante as idas e vindas de Salvador. A usá-los nas horas certas e a não usá-los de forma alguma na hora errada, por exemplo, quando o pai está por perto. Ops! :o/
Também aprendi a ler e escrever no método baiano. Infelizmente, não peguei aquele sotaque. Conheci a pobreza em seu estado mais brutal, quando acompanhei minha mãe numa visita à casa da nossa lavadeira, a Rosa. Ficava numa favela bem na beira de uma estrada. A casa era de sapê, armação de madeira com barro preenchendo os buracos.
Como era numa ladeira, a chuva forte veio e levou uma parede inteira. Ela não tinha o que comer. Por isso, seguimos até lá para levar comida para a Rosa e seus filhos. Lembro que entrei pela porta, ela fez questão de nos receber na entrada da casa, mesmo faltando uma parede inteira. Não entendia como alguém poderia viver daquele jeito. Não entendo até hoje.
Qualquer lugar no mundo com cheiro de maresia me envia de volta para a Bahia no mesmo instante. Sinto uma saudade porreta de lá. Mais ainda, do tempo que vivi lá. Não é à toa que dizem que as nossas lembranças da infância nos acompanham e fazem da gente, para sempre, o que somos.
A Solteira
4 comentários:
Amiga Solteira,
24 de janeiro de 2009 às 01:12Ai, ai, vc me fez lembrar de Maceió....São Paulo é meu lugar, tenho certeza, mas a minha cidade natal é boa demais. Que nem Salvador.
Beijos,
A Divorciada
Também sou baiano! Morei lá até os 14 anos.
24 de janeiro de 2009 às 13:29Esse belíssimo post me causou um "filme" na cabeça.
Tantas traquinagens e aventuras de um tempo que não volta mais....
Obrigado!
Beijos!
Leio sempre este blog, mas nem sempre consigo comentar. Só que hoje, baiana que sou, não resisti. Tenho todas estas memórias de infância e adolescência, afinal já vim para São Paulo formada. E quero muito que a minha filha as tenha também. Outro dia postei no blog dela que, juntando os dias picados que ela já passou por lá, dá 2 meses, o que é bastante para quem ainda nem completou 2 anos.
24 de janeiro de 2009 às 15:40Pois volte para lá, sim. De preferência no verão. Você vai gostar!
aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaammmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!! A Bahia é muito linda mesmo! Assim como você descreveu. Pior que eu sou "tão" baiana, que qd passo muito tempo em algum lugar, por mais legal que seja, eu já fico agoniada para voltar. O cheiro de mar, o povo com sorriso no rosto, meus lugares favoritos, vistas maravilhosas, a música....
28 de janeiro de 2009 às 16:11Aaaahh.... :D
toma coragem e vem fazer uma visita, oxente!!!
bjss
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