quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Dez anos

Tem certas cenas que nem o tempo apaga da memória. Lembro-me como se fosse hoje. O telefone tocou às três e pouco da manhã. Meu estômago revirou - ele já sabia do que se tratava. Ao meu lado, minha irmã e minha prima dormiam como duas pedrinhas. Levantei subitamente e fui até o outro quarto, junto da minha mãe, que falava baixo ao telefone, chorando. E ali eu tive certeza. Tinha acabado.

Ela tinha morrido.

Tudo havia sido feito. Sessões torturantes de quimioterapia, tratamentos alternativos à base de babosa, rezas em catoliquês, espiritês e evangeliquês e a tão aguardada solução decisiva: o transplante de medula. Mas como se diz no jargão do mundo da leucemia: a medula não pegou.

No dia 23 de outubro ela tinha comemorado 19 anos. E no dia 3 de dezembro, ela morreu. Eu tinha 20 anos. A parte mais difícil após saber da morte da minha prima Cíntia foi comunicá-la à irmã dela, que vivia com a gente em São Paulo e que dormia ao meu lado naquela noite. Como se conta a uma pessoa que a irmã dela morreu? Acordamos a Mi e minha mãe só a abraçou. E ela se acabou de chorar. Um choro de soluço e angústia desses que a gente tampa o ouvido para não se deixar abater.

Fomos todos para Conchas para mais um velório. Mas dessa vez não era de nenhum tio-avô que eu sequer conhecia e nem da minha bisavó de noventa e tra-la-lá. Era o velório da Cíntia. De alguém de 19 anos. Deus meu, como isso era permitido, me perguntava pelo caminho.

Ver meus tios no velório foi a terceira parte mais difícil. Queria poder dizer a eles: tio, tia, acabou o pesadelo, daqui a pouco ela levanta. Que impotência que nos assola diante da morte. Que certeza horrível que é jogada na nossa cara.

Foi um dezembro bem triste. Um Natal no qual somente uma pessoa se permitiu comemorar e pedir a todos que celebrassem: meu avô, que já estava com câncer também e que morreu um ano depois.

De todo o meu tesouro pessoal, guardo comigo as cartas que trocávamos quando tínhamos 10, 11 anos. Faltavam conhecimentos gramaticais e sobravam sonhos e projetos. Duas meninas novas com um futuro imenso pela frente. Era o que parecia.

Em 1999, a internet ainda era uma novidade. Não existiam Orkuts, blogs e afins. Não existiam homenagens virtuais aos mortos. Pois hoje, no aniversário de sua morte, resolvi dar um Google com o nome dela para ver se, por acaso, vinha algo. E apareceu um único registro: em 2000, o nome dela foi usado para batizar o programa de saúde da família do município de Conchas. E só para ser caprichosa, deixo aqui o segundo registro na internet: Cíntia Fernandes Zanin, que saudade de você, menina!

Débora – A Descasada

19 comentários:

Ricardo Suman disse...

Deda, que post lindo!
Adoro e tenho muito orgulho de vc!

3 de dezembro de 2009 às 10:10
.Olívia T. disse...

Difícil dizer alguma coisa...Mas eu preciso:

Eu ainda tinha 12 anos. Era super saudável e convivendo com ela quase todos os dias, pois eu estava aprendendo a bordar com ela...E hoje guardo sua caixinha com linhas (e bordo).

Acompanhei a luta dessa menina que é um exemplo na minha vida. Todos os dias, depois do dia 8/10/99, chegava em casa e perguntava para minha vó: como tá a Tita? E ela vinha cada dia com uma notícia diferente...

Quanta saudade!!!

Minha priminha mais velha, a priminha que me carregou no colo, que me mostrou que lutar sem desanimar era o melhor remédio.

A priminha que tinha o sorriso mais sincero, o gênio forte de uma escorpiana, e a companheira corinthiana mais fiel da sua família MANDUCA!


Sinto muito a sua falta...assim como sinto do meu pai verdadeiro, Vô Manduca!!!

Hoje é difícil fazer a lista de 18 netos e colocar o nome da Cíntia como "in memorian". Hoje são 17 vivos.

Na lista você está in memorian, Tita. Mas na minha memória mantenho-a VIVA, como você sempre foi.

Sinto sua falta!
Sinto falta da sua VIDA em nós!

Escrevi demais =)
(e, claro, estou chorando feito tonta!)

LINDO POST PRIMA!!!

3 de dezembro de 2009 às 10:10
Johnny na Babilônia disse...

Deb,

lindo post!

Parabéns.

bjs

3 de dezembro de 2009 às 10:20
Andarilho disse...

É por isso que eu digo que continuar a viver é sempre pior.

3 de dezembro de 2009 às 10:50
Tânia Tiburzio (TT) disse...

Que lindo!! Lágrimas nos olhos foram inevitáveis. Beijos!

3 de dezembro de 2009 às 11:23
Paula Dultra disse...

Oi!!
Não podia deixar de comentar esse post, principalmente qd esse tipo de coisa me toca demais e vou explicar o motivo.
Esse tipo de coisa não devia ser permitido né? Todo mundo só devia morrer idoso, depois de casar, ter filhos e aproveitar a vida. é incrivel como tem gente ruim nesse mundo viva e as boas se vão.
Então eu tb perdi uma prima, mais velha. Saudavel, alegre, bonita, minha melhor amiga, "do nada" do dia pra noite. Ela teve neném, saiu do hospital e de repente, teve uma dor de cabeça e pressão alta. No hospital, depois de conversar brevemente comigo - q tinha estado c ela no dia anterior - ela dormiu. E não acordou. Passou mal, era um aneurisma que estourou. Ficou 7 dias na uti com morte cerebral e pronto. O outro filho dela tinha 1 ano e meio. O bebê n tinha nem 15 dias. Já fazem 5 anos que minha vida não é mais a mesma. Ela tinha 29 anos somente.
Percebi q as pessoas tem missoes de duraçao diferente na terra. Paciência. Vamos aprender com isso e viver melhor, um dia por ver, evitando criar caso por pequenas coisas. Felicidade sempre.
Depois que li seu post joguei o nome dela no google. só tinha 1 regristro da empresa q ela tinha. Vou fazer um post sobre ela. Isso é bom, é uma catarse. Expõe o sentimento e ajuda outras pessoas.

Parece q escrevendo na net a gente deixa um registro permanente, ne?? rs.

Obrigada por isso.
bjs

3 de dezembro de 2009 às 11:44
Anônimo disse...

Belíssima homenagem! Só desejo luz, amor, alegria e paz no coração de toda a família e dizer que a vida aqui é uma passagem!
Apenas uma passagem! Mas nada termina, nada!
Ah Cíntia significa "brilho da lua", talvez gostem de saber!

Um gde beijo!
Cintia

3 de dezembro de 2009 às 12:12
3 x Trinta - Solteira, Casada, Divorciada disse...

Te entendo perfeitamente, amiga. Sei o tamanho da dor que uma perda assim traz para a vida da gente.

O importante é que Cíntia viveu intensamente. E agora está em paz.

Beijos,

Bela - A Divorciada

3 de dezembro de 2009 às 12:23
Déia disse...

## emocionadíssima ##

Nossa que triste! Como a morte nos deixa impotentes e saudosos...
Que hj ela esteja em paz..

E feliz com a homenagem !

bj

3 de dezembro de 2009 às 12:52
Cris disse...

Cheguei empolgada pela descrição que me fizeram do blog de vocês e há muito tempo um post não me toca como esse.

Eu quase precisei de um transplante, eu quase vivi durante um certo tempo, mas o quase sempre me incomodou e graças a Deus, agora eu realmente VIVO.

Eu sinto muito pela dor que te acompanha. Vou me refazer no banheio (sim, estou em lágrimas) e volto para conhecer o resto do blog.

Prazer, eu sou a Cris.

3 de dezembro de 2009 às 14:30
Nina disse...

Puxa... Não bastasse tudo o que ando chorando e você ainda me faz chorar mais!

Tenho certeza que o céu está em festa com este seu texto lindo!

beijo grande!

3 de dezembro de 2009 às 14:31
Paula Dultra disse...

oi deb
obrigada pelo comentario!

então, as criançås dela estão indo bem, mas n temos tanto acesso pq eles estão com o pai. mas vai td indo bem. logico q as sequelas psicologicas n se mede mt ainda. paciencia

bj

3 de dezembro de 2009 às 15:10
Gabriela disse...

Que impotência que nos assola diante da morte... disse tudo nessa parte, ainda mais comigo, convivendo dia a dia com essa realidade, vou te dizer que posso trabalhar com isso anos e anos a fio, nunca irei me acostumar, apenas irei me aprimorando e me humanizando! que linda homenagem, me arrepiei!! já dizia fernando pessoa, Morre Jovem, quem os Deuses amam. Sempre ouço falar muito bem da Cinthia, dá vontade até de tê-la conhecido, imagino uma força extraordinária, mesmo que a pessoa não tem, ela desenvolve, é engraçado, não? Com certeza deve ter sido uma linda moça, a alegrar toda a família... e continua!! Isso nada nem ninguém tira de vcs!! Parabéns... beijos!

3 de dezembro de 2009 às 15:11
Paloma Varón disse...

lindo este post. Estou emocionada.

3 de dezembro de 2009 às 20:13
Anônimo disse...

Eu também já perdi uma prima e um avô por causa do câncer. Minha prima tinha 16 anos.
Essas histórias são mesmo tristes e nos marcam pra vida inteira.
Sei muito bem como vc se sente, Débora.

Beijos!

3 de dezembro de 2009 às 20:46
Marcella disse...

Nossa, esta história me emocionou demais! Sempre acompanhei o blog e nunca me manifestei, mas hoje não consegui me segurar. Passei por algo bem parecido no ano passado. Perdi um primo muito próximo no dia 23 de dezembro, logo após completar 25 anos! Ele tinha um tumor no cerebelo. E o Natal se aproxima novamente e volta o aperto no peito que sentimos no ano passado. Mas como "Deus escreve certo por linhas tortas", ele nos deixou um presente: uma filha linda, que alegra a vida de toda família!
GU, SAUDADES DEMAIS DE VOCÊ PRIMO!!! VOCÊ FAZ MUITA FALTA... TE AMO!!!

4 de dezembro de 2009 às 09:34
katy disse...

oi, conheci seu blog através da cris, no rascunho. sua homenagem é linda e tenho certeza de que sua prima está feliz, onde quer que esteja. adorei seu canto. bjs e um excelente fim de semana.

4 de dezembro de 2009 às 21:21
Filha do Sol na terra das brumas disse...

Oi minha querida amiga!
Lindo post! Não consigo escrever nada de especial agora porque estou chorando e acho que determinadas emoções dispensam comentários. Depois te mando um e-mail.
O brilho e a energia dela continuma vivos!
Bj

6 de dezembro de 2009 às 12:08
Clévia Sales disse...

Oi!
Perdas são sempre difíceis! Mas qdo se é jovem é qse incompreensível, pelo menos pra mim. Tmb perdi uma pessoa mto especial, e fiz um post (Era Uma Estrela. Era Vc!) em sua homenagem, no dia seguinte, após chegar do enterro.
(Qdo completou 21 anos, já estava na UTI, faltavam apenas uma semana para a sua partida).

Bjão!

6 de dezembro de 2009 às 16:04